O estilo de Tarsila do Amaral

Gabriel Fusari
6 min readJul 22, 2019

--

Além de artista respeitada, Tarsila do Amaral foi uma referência por suas roupas no Brasil e na Europa e está em exposição no MASP até fim de Julho

Em pesquisa feita por Gabriel Green Fusari traça como era o comportamento indumentário e a retratação da mídia de moda sobre a Tarsila do Amaral |||| (Arte: Gabriel Green Fusari)

“Caipirinha vestida de Poiret. A preguiça paulista reside nos teus olhos, que não viram Paris, nem Piccadilly, nem as exclamações dos homens.” Assim começa o poema Atelier, de Oswald de Andrade, que narra características pessoais de Tarsila do Amaral, que era muito familiarizada com moda. Embora pintora, Amaral tinha um apreço grande com os estilistas da época tal qual Paul Poiret, que é mencionado no poema, e era chegado à ela.

Além de vestidos sob medida, Poiret fazia joias e mobiliário toda vez que a artista ia à Paris visitá-lo. O seu estilo era extremamente lúdico, buscando referências do Ocidente, Oceania e Grécia. Para sua época, o estilista foi revolucionário. Foi um dos primeiros costureiros a oferecer um caminho alternativo a moda, sem espartilhos, o que na época era visto como uma rebelião ao sistema da indumentário vigente.

Sua conexão com a musa da pintura brasileira foi forte historicamente, pois ambos foram responsáveis pela mudança de comportamento cultural do século XX. Outro estilista que ela frequentava, a fim de comprar alguma roupa, era Jean Patou, estilista Francês de Alta Costura que estava emergindo, com grande foco do mercado jornalístico francês de estilo.

Do estilista, Tarsila do Amaral também usava túnicas bordadas de estilo eslavo os quais eram inspirados nos russos exilados em paris, após revolução socialista de 1917. Com as roupas vestidas, ela era descrita como uma pessoa extravagante e revolucionária com seus figurinos. Oswald de Andrade, que foi seu marido, tinha costume de incentivá-la a vestir-se exatamente assim em suas cartas.

Se para ela, o vestir-se bem era um elixir da vida, para ele era inspiração criativa. Foram diversos outros poemas que Oswald fez em homenagem à amada. A criadora era a personagem energética das obras do casal Tarsiwaldo. E com essa inspiração surgem referências à Tarsila, como o Abaporu que foi símbolo do movimento antropofágico, no qual se explicava como a cultura brasileira era formada, assimilando, deglutindo e ruminando a cultura do exterior e transformando a cultura de caráter nacional, tendo-as consigo de forma autêntica.

Quadro “O Manto Vermelo” no qual foi inspirado em vestido usado em festa dada em homenagem à Santos Dumont

O movimento dizia que a cultura gringa não deve ser ignorada, ela deve ser socializada, mas sem copiar, como simbiose. E nesse estilo de vida vivia ela, assimilando cultura de outros países dentro do seu repertório cotidiano. De vestido preto em bordado chinês com mangas brancas, Amaral entregou-se sendo a maior visionária da arte e do estilo da época, ganhando uma página da Vogue Paris, revista de moda, que deu visibilidade local em arte e estilo.

“Madame Tarsila, deslumbrada pintora das terras exóticas, de onde nos traz uma visão cheia de engenho e frescor. Há muita literatura nesses pequenos quadros que se encaixam tão bem com os poemas de Blaise Cendrars, seu amigo, que servem como prefácio do catálogo de Amaral” dizia a publicação que ficou encantada com a bossa da artista.

O gosto por figurinos e seus traços notórios foram lembrados em 2018 em uma coleção da Osklen baseada na identidade cultural da artista. Seus quadros também foram reproduzidos em peças que seriam uma releitura do que Paul Poiret fez no passado: roupas com movimento, tecidos leves e que se assemelham a túnicas e vestidos de praia.

modelo desfilando coleção da Osklen inspirada nas obras de Tarsila que estão novamente à venda.

Seu cuidado pessoal na forma de se vestir e de estar bela era tão relevante para ela que foi referida em alguns quadros. Um exemplo o Manto Vermelho (1923), um auto-retrato em que ela usa um vestido em camurça de Jean Patou em uma festa em homenagem a Santos Dumont no qual após chegar atrasada às 21h45, sua entrada chamou a atenção dos convidados e sua a roupa foi assunto da festa. Em Auto-retrato I (1924) ela usava brincos que supostamente eram do Poiret e em Chapéu Azul (1922). Um de seus primeiros auto-retratos foi feito após uma visita a casa de Émile Renard, em um astral totalmente primaveril e suave.

O tempo passa e a artista, enquanto viva, se coloca como musa da arte modernista pelo seu investimento de dinheiro e tempo em seu alpinismo na história da arte e na construção do personagem. Entretanto, enquanto viva não foi valorizada. De acordo com a pesquisadora Ana Paula Cavalcanti Simioni, que participou do episódio do Café Filosófico da Tv Cultura sobre Artes Plásticas da Semana de 1922, mesmo Tarsila criando a sua imagem do luxo brasileiro e da consciência de seu trabalho na área artística cultural, até os anos 1960 quase todas suas obras, tal qual “Operários” (1933), estavam consigo em sua residência.

A entrevistada do programa conta, inclusive, que o governo preteria a pintora por conta de um machismo cultural e por descaso ao movimento, que foi extremamente criticado. Os críticos não estavam preparados para enxergar a obra de Amaral: revolucionária e acima da tendência do modernismo.

Já é compreensível que a conexão dela com a moda era forte e reconhecida pela história e pela mídia da época, porém a documentação sobre suas preferências de se vestir são escassas. Existem com a família cartas e notas fiscais de compras, assim como seu guarda-roupa, porém não existem artigos que falem sobre seu comportamento. Sua última rotina de se vestir, quando estava já idosa e cadeirante, eram um belo vestido, uma manta e um lenço acompanhado de sua franja.

“Ela sempre foi muito vaidosa, e mesmo depois, mais velha, ela continuava vaidosa. Sempre que eu ia visitá-la ela estava muito arrumada.” comenta em entrevista exclusiva Tarsilinha do Amaral, a neta que é responsável pela imagem da artista depois da sua morte . Sua ligação com o trabalho de sua tia-avó começou quando seu pai foi advogado da tia. Depois, a cerca de 20 anos, ela começou a escrever biografia sobre a história de Tarsila. Ela ajudava seu pai no trabalho até ele se aposentar e ela assumir toda a responsabilidade.

Gabriel Green Fusari e Tarsila do Amaral, a sobrinha neta, na exposição da artista no MASP, em Maio de 2019

“Eu quero que ela seja conhecida mundialmente. Acho que sua obra tem potencial para ser mais conhecida e divulgada no mundo todo. E também a sua vida pessoal, que foi interessante, acredito que também tem potencial de ser admirada no mundo todo. Quero que ela seja conhecida como Picasso, Matisse, Léger e outros amigos dela”, diz Tarsilinha quando indagada sobre de que modo faria de sua tia um ícone pop da arte brasileira no mundo.

Embora as telas de Tarsila do Amaral estejam espalhadas pelo mundo, atualmente acontece uma exposição no Museu de Artes de São Paulo (MASP), que tem feito bastante sucesso e recebido inúmeras críticas positivas: “Neste período da exposição no MASP, tivemos uma crítica extremamente favorável à obra e à exposição. Mas tivemos também algumas críticas, o que considero normal em uma democracia”, conclui Tarsilinha.

A exposição acontece todos os dias no Museu de Artes de São Paulo, localizado na Av. Paulista, até 28 de Julho, com ingressos custando R$40 a inteira, R$20 a meia entrada e entrada gratuita às terças-feiras.

--

--

Gabriel Fusari

Jornalista formado pela Universidade Federal de Mato Grosso / Atua pelas editorias de moda, cultura e política / escreveu para FFW, Vogue, Elle e Glamour